quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Vai lá cheirar

Era uma daquelas noites de Outono, quando este adivinhava um Inverno rigoroso. O frio já se fazia sentir, apesar do ligeiro aquecimento devido à grande nebolusidade do céu. Uma amiga do Osonório comemorava o seu aniversário num botequo algures no meio de um lugarejo isolado de qualquer grande cidade.
O pequeno restaurante, apesar de carecer daquela elegância mínima que é habitualmente requerida por quem se entrega aos prazeres gastronómicos, proporcionava agradáveis refeições cozinhadas, na hora, ao braseiro. Além disso, contava-se com a cordialidade e o ambiente familiar que lá se fazia sentir sendo, talvez, esse o principal motivo que levava os amigos do Osonório a optarem por aquele estabelecimento.
O Osonório repetiu o repasto algumas vezes, acompanhando com um vinho tinto suave mas com um considerável grau de álcool. Comeu e bebeu até ficar enfastiado, rematando, no final, com os usuais digestivos. A festa ainda estava por começar e já se encontravam quase todos num elevado estado de ebriez, cantando e dançando como se o chão se abalasse ao sabor de uma força misteriosa.
A saída do boteco, quando noite já ia alta, fez-se acompanhar pelo som acutilante e o cheiro a borracha queimada dos pneus a derraparem violentamente no asfalto. Talvez fosse o estado de embriaguez, talvez fosse o resultado duma estranha euforia. Foi, decerto, o despertar daquela irreverência característica da juventude, aquela necessidade de se fazerem ouvir e marcarem presença. O seu destino foi um movimentado bar da cidade mais próxima, do qual eram já clientes habituais.
Quando o Osonório chegou, já lá se encontrava, à espera, o seu amigo inseparável Libório. Apesar de ser uma amiga em comum, o Libório sentiu-se na obrigação de declinar o convite para o aniversário sob a alçada dum sincero pretexto relacionado com problemas financeiros.
O seu grupo de amigos era socialmente heterogénio. O Libório e o Osonório sempre foram indivíduos despreconceituosos e aceitavam, para amizade, certa gente que se entregava, casualmente, ao consumo de estupefacientes. Muitas vezes, as companhias ditam a forma como uma sociedade essencialmente preconceituosa encara as pessoas. É claro que alguém cujas amizades incluam personagens com certos vícios não será, necessariamente, um viciado, apesar de correr o risco de lhe serem imputadas tais contornos.
A música do bar convidava ao balanço impulsivo do corpo e a sede mandava vir, regularmente, aquele tipo de bebidas que dão um certo grau de êxase a quem as consome exageradamente. O Osonório, que já tinha exagerado a dose no jantar, misturava, ao sabor do balanço, aquelas que ia tragando durante a faina nocturna. O resultado, para além da ebriedade, consistiu naquilo a que vulgarmente chamamos de “descarga da visícula” causada pelo trabalho excessivo pespegado ao fígado. A maleita manifestou-se como uma pontada na barriga, queixando-se o Osonório:

- Ó Libório, estou com uma vontade insuportável de mandar uma valente cagada.

O Libório acompanhou-o até à porta da casa-de-banho, enquanto saboreava um refrigerante, uma vez que, devido à sua condição de saúde, se encontrava medicado com psicotrópicos.

- O que é que ele está aí dentro a fazer? – Perguntou um indivíduo corpulento, deixando antever traços de fúria, apesar de não intimidar o Libório.

Os seus amigos cujos comportamentos eram mais ilícitos tinham, por hábito, recorrer à sala da latrina para fumar um “piquinha”. O indivíduo que acabara de interpelar o Libório parecia convicto de que o Osonório padecia das mesmas necessidades ou tinha os mesmos hábitos que os seus amigos. O Libório desconfiou da natureza da pergunta, à qual responde:

- Está a cagar!

O indivíduo não fazia parte do pessoal da casa, estando apenas a alardear-se como um herói de banda desenhada, querendo impôr uma ideia de ser o gendarme da retrete. Coninua com a mesma intensidade de voz:

- Eu sei o que ele ali está a fazer. Está a fumar droga.

- Não está nada... está a cagar. – Returque o Libório.

O Osonório, que ouvira o alvoroço, levantou-se num rompante, sem limpar convenientemente o cú ou sequer puxar o autoclismo, içou as calças com toda a pressa e abriu violentamente a porta, gritando:

- Se achas que estive a fumar, vai lá cheirar.

Ambos continuaram o seu entretenimento. O sujeito entrou no cubículo no qual a merda pastosa estava colada às paredes da cloaca, deitando um cheiro tão fétido que drogava qualquer um. Começou como um herói de banda desenhada e acabou como um “cheira merda”.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Azedumes de ignorante

Decorria mais uma aula de Linguagens de Programação na ULP (Universidade Lusófona do Porto). O professor, baixo com um carácter altivo, impunha a elaboração de um programa em JAVA que permitisse ao utilizador gerir as actividades do dia-a-dia. O modo como a aplicação armazenasse a informação ficava ao critério do aluno. No entanto, o professor sugeria a elaboração de um sistema de ficheiros vulgar.
O André, que era aluno assíduo da disciplina de Bases de Dados logo se propôs a utilizar os conceitos que ia adquirindo na área, afins ao desenvolvimento em motores de bases de dados ORACLE. A sua preferência pelas versões mais recentes levou-o a considerar a última versão no mercado desta tecnologia, nomeadamente, a ORACLE 11g.
No dia da apresentação dos projectos, a grande maioria dos alunos previa a aplicação dum sistema de ficheiros. Contudo, o André estava empenhado em lograr com o recurso a um sistema amplamente desenvolvido e testado que se prestasse aos mesmos fins. Depois de submeter a sua ideia à avaliação do professor, este pergunta-lhe com visível arrogância:
- Então, está a pensar em utilizar o motor ORACLE 11g. Acha mesmo que consegue?
O André returque prontamente:
- Claro que sim, professor.
O professor, esboçando um riso sarcástico, responde:
- Fico à espera que isso aconteça.
O rapaz estava confiante que conseguiria levar a sua ideia a bom porto. Em pouco tempo contornou todos os problemas inerentes à instalação das tecnologias necessárias e passou ao desenvolvimento da aplicação requerida, após elaborar a interface de interacção do seu programa com o utilizador.
Além dos requisitos requeridos pelo avaliador, o André teceu alguns melhoramentos que considerou pertinentes no seguimento do trabalho que se propôs desenvolver. Qualquer hipótese que pudesse ser alvitrada aferente à possibilidade da obtenção do código de um programa do género na Internet seria descartada à partida, uma vez que não é pertienente, de modo algum, desenvolver uma aplicação com características tão simples utilizando um recurso tão extenso e elaborado como a tecnologia 11g. O André considerava esta hipótese como sendo intuitiva e irrefutável.
Chegada a hora da apresentação do seu trabalho, o André logo começa a preparar o aparato necessário para atingir o seu fim. Liga o seu MAC onde tinha instalado, numa segunda partição, a versão mais recente do Windows Server, sistema operativo de servidor onde conseguira instalar o respectivo recurso de base de dados.
- Então? – Pergunta, impacientemente, o professor, demonstrando novamente um trejeito de arrogância – Porque é que isso ainda não está a funcionar?
Responde o André, com a sua habitual boa disposição:
- Calma, professor, isto leva o seu tempo.
O sorriso sarcástico abandona a fronte do professor no instante que este vê o programa a funcionar em pleno. O André tinha conseguido aquilo a que se tinha proposto. Na esperança de encontrar alguma falha, acrescenta:
- Ainda não vi nada a funcionar!
O André demonstra o funcionamento do seu programa, expondo as ferramentas utilizadas para apreciação do professor e dos demais espectadores. A hipótese de que o programa se ligava a uma tecnologia tão elaborada depressa se tornou um facto. Quando o André se preparava para expor os passos que seriam necessários tomar para configurar a ORACLE 11g, o professor remata:
- Não quero saber disso para nada! Só me interessa o código.
Nesse instante acabara de mostrar a sua altivez e arrogância, característica de uma pessoa verdadeiramente bruta e estúpida. Exige analisar o teor do trabalho, na sua essência. Duas características, para além do sistema de bases de dados, eram passíveis de ênfase. A primeira, consistia no modo como se codificava, em JAVA, uma ligação à base de dados. A outra, mais orientada para a apresentação, baseava-se em SWING, livraria vocacionada para a criação de interfaces de utilização visuais. O André logo se propõe a expor a sua linha de raciocínio nestas áreas. Quando se preparava para fazê-lo, é novamente interrompido pelo alarve professor que, de imediato, começa a rebuscar o código com o perverso intuito de desacreditar o autor do trabalho.
- Diga-me lá! – assevera ele – Para que serve aqui a função finalize?
Returque-lhe, o André de uma forma assertiva:
Esta função é chamada sempre que um objecto é destruído. Utilizei-a para garantir o encerramento da conexão quando o objecto que a gere deixa de ser referenciado.
O professor, insatisfeito, garante-lhe que não se tratava de uma resposta válida e insiste no tema durante um tempo, referindo o facto de que o autor não controlava o tempo em que tal função seria chamada no programa. De facto, o objectivo era garantir o encerramento de uma conexão, caso se tivesse esquecido de fazê-lo manualmente. O instante em que a conexão é encerrada adquire, neste contexto, um carácter de irrelevância.
Com um estado de espírito cada vez mais pesado, o avaliador rebusca o código novamente. Finalmente encontrara o calcanhar de Aquiles do André, centrando-se num pormenor tão irrisório que o remete para o estatuto de ignorante incapaz de ensinar numa disciplina da área. Pergunta-lhe para que serve o carácter @ numa linha onde se lia

@SuppressWarnings

Ora, esta declaração consiste precisamente numa anotação (metainformação associada a um elemento de JAVA) cujo propósito é ser utilizado por determinadas ferramentas como o compilador ou o javadoc. O André conhecia o efeito mas não estava ciente do princípio. Responde-lhe então:
- Isso não sei, professor. Contudo, se remover essa linha, o meu código continua a funcionar apesar do compilador debitar um ror de avisos.
Apesar da resposta prática do André, o professor insiste no significado do @ na linha correspondente. Depois de insistir num pormenor tão insignificante, conclui erroneamente:
- Atribuo-te a nota zero no trabalho. Este, foi realizado por um profissional muito melhor do que eu. Foi esse mesmo profissional quem te configurou o motor de base de dados.
Evidentemente, o André não se conforma com a avaliação e remete o caso para a provedoria. O seu programa fica conhecido no meio docente e o professor, com um comentário tão ignóbil, deixa de ter autoridade moral para ser docente, na medida em que foi ele o verdadeiro autor de tal programa.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

O Osonório e o Libório em "Engendrar uma caganeira"

O sol raiava intensamente numa tarde de calor. O verão ia a meio e proporcionava ao Osonório e ao Libório mais um dia enfadonho. Era um daqueles sábados em que não lhes surgia alguma ideia para passar o tempo. Estavam sentados no sofá da sala a ver um programa na televisão que não lhes despertava qualquer interesse. Pensar numa actividade no exterior da casa estava fora de questão. As pedras da estrada ferviam e a própria sombra das árvores era quente. Não apetecia mover um único músculo do corpo.
- Vamos jogar às cartas?
Pergunta o Osonório, demonstrando uma vontade de se distrair. Contudo, o Libório não se mostrava disposto a enveredar por esse género de actividades lúdicas. Tinham almoçado, não fazia muito tempo e o ambiente convidava àquilo que ambos não pretendiam – dormir. O irmão do Osonório enveredara por essa saída. A mãe, por seu turno, entregava-se às lides domésticas duma dona de casa. Acabara de lavar a loiça e começava as habituais arrumações do fim-de-semana.
O Libório, como tinha almoçado em casa do Osonório, não tinha tomado o medicamento prescrito pelo médico de família. Tinha problemas de anemia, o qual era tratado com o recurso a um fármaco rico em ferro, essencial para a produção de hemoglobina no sangue. Algures no meio da conversa arrastada que levavam, o Libório comenta:
- Hoje, como comi aqui, não tomei o meu xarope!
Como a anemia do Libório não constituía um caso sério, o Osonório desconhecia por completo o seu estado de saúde. Pergunta-lhe admirado:
- Estás a tomar xarope para quê?
- Estou a tomar ferro para o sangue. – Responde-lhe prontamente. – Tenho problemas de anemia e preciso de repor o ferro em falta.
O Libório estava seguro de que se abster de tomar o remédio num dia apenas não iria ter grande influência no seu tratamento. Apenas dissera-o para quebrar o ambiente silencioso que se abatia sobre eles.
- A minha mãe também anda a tomar um remédio para os ossos. – Confessa o Osonório.
- Ela toma dois tipos de remédio para isso. Se ela abusar num deles corre o risco de apanhar uma caganeira.
O Libório mostrava-se perplexo e ao mesmo tempo incrédulo. Afinal, como poderia um remédio para os ossos, causar uma caganeira? Num instante se gera um debate aceso sobre a veracidade da asserção do Osonório. Este decide então mostrar as embalagens onde se encontravam os remédios. Eram duas caixas diferentes ainda com comprimidos lá dentro.
- São estes comprimidos que causam caganeira!
Afirmava o Osonório levantando a caixa que tinha uma lista roxa. O Libório continuava a interrogar-se por que motivo a mãe dele tomava dois tipos de fármacos para os ossos onde um deles causava diarreia. No meio da algazarra, surge uma ideia na mente do Osonório:
- E se esmigalhássemos um destes comprimidos na água de beber aqui de casa?
Ambos concluíram que, caso dissolvessem um daqueles comprimidos na água, toda a gente que a bebesse apanharia uma caganeira. Estava no ar o mote para uma tarde bem passada. Puseram mãos à obra e congeminaram um plano para causar uma diarreia à família do Osonório.
Tiraram, à socapa, a água de beber do frigorífico e esconderam-se no quarto com as embalagens dos remédios. O Osonório tira um dos comprimidos que provocavam a evacuação intestinal e começa a migá-lo num cinzeiro com um pouco de água.
O Osonório tinha o desagradável hábito de provar tudo o que encontrava, desde granulado para as vacas até às pétalas de rosas. Movido por essa sua estranha tendência, decide provar a pasta que acabara de fazer.
- É bom! Queres provar?
O Libório considerava que não era seguro experimentar a mistela, já que sabia qual era a sua origem e nega-se a fazê-lo. Pelo contrário, o seu amigo, à medida que ia moendo os comprimidos, ia provando a pasta. Quando consideraram que já tinham produzido uma quantidade de pasta suficiente, o Osonório coloca uma pequena parte na água da garrafa e decide mexer com um lápis para conseguir uma mistura homogénea de modo a passar despercebida. Devido à sua inaptidão manual, deixa cair o lápis no recipiente.
- Olha… Deixei cair o lápis aqui dentro.
Diz para o Libório que o observava com atenção.
- Temos de o tirar. Não podemos recolocar a garrafa com o lápis aí dentro.
Responde o Libório de imediato. O Osonório começa por inclinar ligeiramente a garrafa com o intuito de apanhar o lápis. Por azar, durante todo o processo, esvazia a garrafa por completo. O Libório começa-se a rir.
- A garrafa está vazia. Já não é possível realizarmos a empreitada.
O Osonório discordava. Era suficiente encher a garrafa numa torneira. A única possibilidade que lhe ocorria consistia em distrair a mãe para enchê-la na torneira da cozinha. Era uma tarefa deveras complicada e fora do alcance das capacidades de ambos. Em poucos segundos surge uma ideia na mente do Libório que viria a salvar a situação.
O quarto onde faziam as suas experiências tinha uma mesa encostada sob o parapeito de uma janela que dava para um pátio. Decidem sair pela janela com a garrafa e vão enchê-la com a água da mangueira usada regularmente para lavar o chão e regar o jardim. Essa água era imprópria para consumo mas desempenhava o papel que pretendiam. O Libório já começava a achar aquela cena deveras hilariante e ria-se efusivamente.
Voltam para o quarto com a garrafa completamente cheia de água da mangueira e preparam a mistura evacuativa. Com toda a manha que lhes era característica, não lhes foi difícil repô-la no mesmo sítio do frigorífico donde a tinham tirado.
O Libório, novamente no quarto, não suportava o riso. Aliás, considerava que aquele episódio estava um pouco deslocado daquilo que considerava normal. O Osonório ria-se também, uma vez que a partida tinha grandes hipóteses de ser bem sucedida. No meio da euforia, o Osonório solta um peido com uma sonoridade exagerada. Fizeram silêncio.
- Caguei-me!
Diz o Osonório que tinha provado a mistela.
- Isso, eu sei! – Responde o Libório. – Ouviu-se bem.
- Não! Caguei nas …
Antes que conseguisse completar a frase ouviram “próóóóóó” com uma intensidade ainda maior do que a anterior.
- Caguei-me outra vez.
O Libório começava a ter dificuldade em suportar o riso. O Osonório, por seu turno, estava numa situação desagradável. Só lhe apetecia rir com toda aquela situação e o cenário hilariante atiçava-lhe a vontade de fazer merda. Ao ouvir aquele alarido, o irmão do Osonório que tinha acordado da sesta há pouco tempo, entra no quarto e encontra os dois amigos demasiado ridentes. Pergunta:
- Estais-vos a rir de quê?
Como os dois não respondem no meio de tanto riso, conclui:
- Já prepararam alguma e não querem dizer.
- Estamos a rir-nos duma anedota. – Returque o Libório, enquanto o companheiro manda grandes e sonoras cagadas. O irmão do Osonório, pouco convencido, abandona o quarto ao som dos peidos e das risadas.
O Osonório passou muito tempo na casa de banho a cagar. Teve de tomar banho e vestir roupa lavada. Toda a gente da família do Osonório andou de caganeira durante aproximadamente uma semana. Pelo menos, andaram assim enquanto durou a água da mangueira na garrafa. A irmã do Osonório reparara que este preferia beber água da torneira. Achava aquele comportamento estranho mas nunca desconfiou que a caganeira que a maçava estava associada à água nem tampouco ao bizarro comportamento do irmão.
Os dois amigos mais tarde vieram a saber que, aquilo que pensavam ser comprimidos para os ossos, não passava de um fármaco para a prisão de ventre.

terça-feira, 30 de março de 2010

O manual (Uma desilusão numa prenda de amor)


O manual elaborado pelo Jorge e pelo Francisco pode ser encontrado aqui.

quinta-feira, 25 de março de 2010

A mensagem endereçada ao Rui (Uma desilusão numa prenda de amor)




Para o Rui,
Engenharia Informática

Meu querido amor,



Desde o primeiro dia que te vi, o meu coração não mais conheceu outra paixão. Sempre que passas por mim, o teu sorriso tão belo incendeia-me por dentro. Sinto-me hipnotizada apenas de tentar olhar-te nos olhos e o sangue gela-me nas veias sempre que estou perto de ti.




Este amor que me atormenta cresce desde aquele dia de sol quando te vi entrar na faculdade. Desde então, empenhei-me a arranjar coragem para te interpelar, trocar uma palavra contigo, uma sequer. Mas sou demasiado tímida e elas faltam-me. Espero que, com este humilde presente, finalmente ganhe a coragem que me falta para poder entrar na tua vida, se o permitires.




És aquilo que sempre sonhei, o meu príncipe encantado, a minha razão de viver. Deixo-te esta prenda de afecto na esperança que te atinja o coração da forma que o desejo e que contribua um pouco para a tua felicidade.




Desta sempre tua amada que espera ansiosamente declarar-se.




sábado, 20 de março de 2010

Resposta em mail do Ruben em defesa de ambos - O parolo de meias altas - (Uma desilusão numa prenda de amor)

Caros colegas do curso de Engenharia Informática que receberam a bosta de mail de um parolo chamado "UBI_News" em geral e "UBI_News" em particular:

Depois de muito observar estas pérolas da parolice aguda e do desalinho geral, há duas coisas que se me avizinham na cabeça... a primeira é violenta e passível de ferir susceptibilidade nos catraios mais sensíveis... a segunda, uma chamada de atenção e reflexão profunda acerca deste PALERMA.
Passemos então à explicação dessas minhas ideias:

1. O indivíduo que escreveu esta posta de pescada, não deve (julgo eu) ter amor ao lombo, pois, julgo que se meteu com as pessoas erradas, sendo elas, para relembrar os petizes que não estiveram devidamente atentos aos visados das duas e-bostas, o Rui e o Ruben!
Digo: «não tem amor ao lombo», pois julgo que o primeiro sentimento que lhe irá subir pela espinha das costas, quando eu lhe estiver a malhar no focinho como se não houvesse amanhã, será: «PORQUE RAIO É QUE, EM VEZ DE ESGALHAR UMA A VER O CANAL GAY, FUI FAZER DUAS E-BOSTAS SOBRE O RUBEN E SOBRE O RUI! ÓH DESTINO CRUEL!»
Pois meu caro... nessa altura já será tarde para voltar a trás e pensar melhor... pois já estará VOSSA CARALHICE deitado na cama de um quarto das urgências do S. Teotónio, ou quiçá, a levar vergastadas de um qualquer cavalo, como diria o saudoso poeta «UBI_News_Suck» no seu aclamado versículo 33, capítulo vigésimo, de profunda reflexão!

2. Escusado será dizer que o PAROLO (e digo isto sem tirar um P ou qualquer outra letra) deve ser parco em vida social... como sendo ele um espectador assíduo do canal dos «mangalhos» (entenda-se GAY), um exímio degustador da enrabadela cavalar, ou quiçá, de levar com grandes e grossos, julga-se no pleno direito de julgar que todos deverão ser como ele... pois desengane-se meu caro PAROLO!
Falando por mim, nunca necessitei de saltitar pelas Patagónias em busca de fêmea... elas pura e simplesmente saltitam até mim... já no caso de VOSSA PAROLISSE, julgo que quando entrasse na Patagónia seria violentamente possuído por trás por um Cangurus-Gigantus-de-Pelus-Compridus (ou em português: POR UM CANGURU MINHA BESTA!)... SEM DÓ NEM PIEDADE...
Bem sei que pensará o mesmo do caríssimo Rui. Porém, julgo que até ele dirá que sua VOSSA ALTEZA PAROLA é que gostará de se satisfazer com o escape de seu FIAT CROMA, enquanto leva brelaitadas de meia-noite na sua REAL PEIDÂNCIA!

Julgaria pois você, que eu, RUBEN não tenho a mínima ideia de quem você seja não é? Pois desengane-se... pensava VOSSA IGNORÂNCIA PAROLA que poderia enviar uma E-BOSTA dissimulado com um tal de "UBI_News@hotmail.com" (visto não possuir tomates para enfrentar as pessoas que estão de bem com a vida) e sair completamente desconhecido? Pois NÃO MEU CARO!
E só uma coisa lhe desejo, quando ler este humilde escrito, peço-lhe... MUDE DE PAÍS RAPIDAMENTE, tal como fez a Fátima Felgueiras aqui à uns anitos... Pois se não o fizer, será repatriado com um olho ao peito e sua real peidância totalmente estourada por um dito GRANDE E GROSSO!

Pensava você que podia gozar com toda a gente... pois desengane-se... comigo está totalmente, completamente e infinitamente FODIDO para o resto de sua PAROLA VIDA!

Julga VOSSA EXCELÊNCIA PAROLA que pode encarar isto como uma brincadeira entre amigos... pois NÃO! Na minha humilde e singela terriola há um ditado que diz que esses piadelicos (que passam a vida a achar que um dia terão piada) são enrabados em praça pública, levam vergastadas no lombo à base de pirocada de Cavalo e são obrigados a dar o cuzinho na Recta das fufas (se não sabe onde fica venha a Moinas! Ou va-se foder contra um PINHEIRO!).

Não encare VOCÊ este meu e-mail como um conjunto de versos soltos em forma de piada! Não, de todo! Encare isto como um pronuncio daquilo que lhe vai acontecer num futuro próximo!

Sem mais, despeço-me com um real sentimento de que me vou passar na segunda-feira quando vir VOSSA ANIMALEZA PAROLA!

RUBEN
(a.k.a. aquele que te vai foder o lombo em breve!)

P.S.: Peço desculpa aos leitores mais sensíveis... mas encarem isto como um texto humorístico que vos trará um riso compulsivo num futuro próximo, aquando das vergastadas que este PAROLO irá levar no lombo!

Respostas em mail do Rui em defesa do Ruben (Uma desilusão numa prenda de amor)

RUBEN ESTOU CONTIGO!!!!!!

A Control lamenta informar que o nascimento do criador de UBI_news foi um acidente. Por favor dirija-se ao hospital mais próximo para ser abatido. As nossas desculpas. Sabes que amanha e o dia mundial do corno? Não sabias pois não? Pois o corno é sempre o ultimo a saber!
Pois te digo uma coisa um dia os oceanos encheram-se... a terra inundou... só tu te salvaste... porque a MERDA flutua... pois eu existo pq Deus gosta de coisas belas e raras. Tu existes porque... Bem... Deus tem sentido de humor!

No outro dia na UBI convidaram-me para ir a 1 churrasco, queres vir comigo? Sff nao me falhes... e que eu fiquei de levar 1 porco!... O teu mal foi que quando nasceste a enfermeira confundiu a tua cabeça com o teu cu e deu-te uma sapatada na testa. È PAH!!! és tao feio, tao feio, tao feio que quando fores comprar uma mascara para o carnaval so te vendem os elasticos.
MAS AGORA CENAS IMPORTANTES:
Ja chegaram os resultados das analises da BSE. Podes ficar descansado q es um BOI saudavel.

E vê se perdes menos tempo a insultar as pessoas porque só faz isso quem sabe...
Seu gay da merda, paneleiro filho de uma puta !!!!!!

(quando souber quem tu és acabo com a tua raça)

Uma desilusão numa prenda de amor

Por vezes, num grupo de pessoas surgem, inimizades difíceis de explicar. É possível traçar uma linha de sentimentos possam estar na base desses fenómenos, que encaixem na perfeição nos comportamentos observados mas que de certo modo está muito longe da realidade. Muitas vezes apenas uma ou duas pessoas estão em posição de os esclarecer pois estão cientes dos segredos e pensamentos obscuros de alguns dos intervenientes mas optam pelo silêncio ou por causar mais estribilho, deturpando ainda mais uma realidade que, já de si, se torna complicada.
É frequente encontrar exemplos banais nas paixões secretas. Este tipo de sentimento conduz facilmente a um sistema de intrigas que acabam no doloso rompimento de antigos laços de amizade e afecto. Um outro exemplo relaciona-se com a primeira impressão que uma pessoa tem da outra quando se conhecem pela primeira vez. É tão viável dar-se aquilo a que vulgarmente se chama de amor à primeira vista como de se nutrir, desde o princípio, uma estranha aversão a uma pessoa sem qualquer motivo racional aparente.
Este último fenómeno passou-se com o Jorge, um indivíduo que terminara o ciclo do secundário e ingressara no curso de engenharia informática numa universidade privada da Beira Interior. As suas capacidades na área em questão eram indiscutíveis. Tratava-se de uma pessoa com uma capacidade de raciocínio acima da média nestas vertentes e possuía um carisma fora do vulgar no que concerne a tais lides. Não conseguira um lugar no ensino público única e exclusivamente devido aos seus fracos resultados nos demais campos cuja avaliação de desempenho é exigido. Não nos delonguemos mais neste preâmbulo que daria uma enorme quantidade de matéria para discussão. Como é fácil imaginar, destacou-se amplamente do resto da turma, ocupando um lugar de destaque claramente visível. O Jorge levou apenas um ano para se salientar no curso que frequentava.
Decorria o seu segundo ano, quando se sente fortemente discriminado pelo Rui e pelo Ruben, com especial destaque para o primeiro. Era frequente ouvir expressões do tipo “Lá vem a merda” ou “Vamos sair daqui” sempre que o Jorge se abeirava deles. Certo dia, ia ele a caminho da universidade quando avistou do mesmo lado da rua, grande parte dos colegas de turma. Entre essas pessoas encontravam-se o Rui e o Ruben. Quando o Jorge se aproximou, como é hábito quando encontramos pessoas com as quais lidamos diariamente, o Rui convidou de imediato toda a gente do grupo a atravessar a rua para o outro lado. Não foi muito difícil, apesar de aborrecido, ao Jorge, constatar que se tratava de uma manobra de evasão e de repúdio. Nesse dia, surge-lhe uma ideia que, mais tarde, viria a ter consequências generalizadas.
As acções do Rui e do Ruben, porventura, tinham origem em sentimentos de inveja. De facto, estavam longe de conseguir uma performance tão brilhante e não se constava que alguma vez no passado se tivessem dedicado tanto a programação como era o seu caso. Trata-se de uma inveja infundada. Mas os sentimentos individualizados normalmente são conduzidos por caminhos assaz obscuros. Talvez fossem quezílias de amor ou até mesmo a predisposição natural de um macho demarcar o seu território. No entanto, o que ia na cabeça do Rui, não se figurou aparente ao Jorge que se sentia cada vez mais afastado da turma, mais isolado.
Quando lhe surge a ideia, troca algumas palavras com um dos seus melhores amigos, o Francisco, que não tinha qualquer filiação com a faculdade que frequentava. Conta-lhe o sucedido e avisa-o de que se prepara para responder severamente às acções do Rui e do Ruben. Arranjadas as fotografias de ambos, decide fazer uma montagem onde estes apareciam em situações risíveis e embaraçosas. A cara do Rui, inseriu num homem que estava a ter relações sexuais com um automóvel e a do Ruben, montou-a num canguru. Pediu o auxílio do Francisco para detalhar esta ideia de forma a pô-los ao ridículo e a fazê-los sentir o que ele sentia quando estes abusavam da linguagem para o humilhar, enviando um e-mail para a turma toda.
O Francisco sugeriu a ideia de que ele deveria criar os textos nos moldes de uma notícia jornalística. Imediatamente congeminaram a notícia de que o Rui fora apanhado a ter relações sexuais intensas com um cano de escape de um automóvel, um fetiche deveras estranho. Quanto ao canguru, o Francisco sugeriu-lhe que o inserisse numa paisagem nórdica. O Jorge coloca-o solitário no meio de uma centena de pinguins. Mais uma vez elaboraram a notícia de que o Ruben andava pela Patagónia à procura de fêmea, um outro caso insólito. Enviou ambas as notícias para cada colega da turma de forma anónima.
Tanto o Rui como o Ruben foram motivo de chacota nos dias seguintes. As notícias bem elaboradas e as imagens caricatas faziam vigorar um sentimento de motejo em qualquer pessoa que as leu. A resposta do Ruben foi dura mas não tinha pessoa física a quem dirigi-la. Apesar de desconfiarem dele, nunca poderiam estar certos disso. O Ruben após o sucedido moderou o seu comportamento relativamente ao Jorge apesar de o Rui continuar na mesma. Ser motivo de chacota não o havia sensibilizado para a situação desse seu colega.
O pai do Jorge, mecânico de automóveis, fazia reparação e substituição dos seus componentes. O Jorge estava a par das alterações que eram feitas nos veículos das pessoas com quem tinha maior confiança. Certo dia, um amigo decidiu trocar a panela de escape do seu carro por uma nova. O Jorge, como gostava de avaliar o material que era comprado em termos de qualidade, comenta com o Francisco as vantagens e desvantagens da nova aquisição desse seu amigo. O Francisco, que não era propriamente dotado de grandes conhecimentos de mecânica, pergunta-lhe o que iriam fazer com a panela velha. Obviamente, o seu destino seria a sucata, que é o destino da maioria dos utensílios para os quais não temos uso. Foi assim que, numa mesa de café, surge uma ideia assaz estranha na cabeça do Francisco.
- Já que o teu pai não tem qualquer uso para a panela, porque não a dás ao Rui como prenda?
Sugere o Francisco a título de brincadeira. Tratava-se de uma ideia tão esquisita que nunca pensava que fosse levada a cabo uns dias depois. No entanto, tal ideia emergiu para relembrar os e-mails enviados, num ambiente hilariante e eufórico, surgindo aqui e acolá umas piadas mais ou menos engraçadas sobre o assunto.
Passados alguns dias, o Jorge, na oficina do seu pai, mostra ao Francisco a panela da qual tinham conversado há um tempo atrás, dizendo:
- Estou empenhado em oferecer isto ao Rui mas para a minha mãe não saber do meu plano, disse-lhe a ias dar a um amigo, como brincadeira.
O Francisco tinha dificuldade em acreditar que fosse objectivo do Jorge, dar uma panela de escape ao Rui. Contudo, confirmou à mãe do Jorge o seu intento de oferecer a panela a um amigo no seu aniversário com o intuito de lhe pregar uma partida. A mãe dele quis, de imediato, saber os pormenores, os quais o Francisco improvisou de imediato.
Numa outra conversa ocasional de café, surge o método que seria utilizado para levar o Rui a aceitar e abrir uma prenda tão bizarra. Seria oferecida como uma prenda de amor, numa caixa de cartão embrulhada em papel cor-de-rosa aos corações, à qual era adendada uma terna e apaixonada mensagem. Esta seria deixada numa sala pública da faculdade, onde o Rui passasse grande parte do tempo, devidamente endereçada a ele sem haver margem para qualquer tipo de dúvidas. Vendo que a ideia era exequível, puseram mãos à obra.
O Jorge comprou o papel de embrulho, o Francisco providenciou a caixa e ambos preparam a mensagem de amor. Estavam assim reunidos quase todos os condimentos para levar a cabo a empreitada. Ainda faltava algo para aprimorar o ambiente, um texto que estivesse, de alguma forma, ligado à panela, de acordo com uma proposta do Jorge. O Francisco sugere a escrita de manuais de instrução em várias línguas, seguindo a linha condutora dos e-mails antes enviados. Estes seriam escritos numa linguagem e estilo tais que esboçassem um grande sorriso na face da pessoa mais sisuda.
Apenas uma tarde num fim-de-semana foi suficiente para completar as tarefas. Era um sábado de sol e, tanto o Jorge como o Francisco, se dedicaram por inteiro à elaboração dos manuais, os quais foram convenientemente editados pelo Jorge no dia seguinte. Nesse domingo, já com os manuais devidamente preparados, reuniram-se para finalizar os preparativos de tão ousada oferenda. Embalaram os manuais e colocaram-nos numa caixa de cartão junto da panela de escape. Depois de a selarem com fita de mangueira de modo a conter a peça, embrulharam a caixa com duas folhas de embrulho dum rosa vivo e aplicaram-lhe um laço de fita doirada. Sem dúvida seria uma prenda para chamar a atenção de qualquer um.
Na terça-feira que se seguiu, o Jorge madrugou para levar a oferenda a bom porto sem ser identificado. Agasalhou-se com uma capa com o intuito de ocultar o embrulho e pôs uns óculos de ciclista para ninguém o reconhecer. Entrou na faculdade ainda não tinha começado a raiar o dia, dirigindo-se à sala onde a prenda iria aguardar o seu destinatário, o qual se previa chegar depois do almoço. O átrio estava deserto e o porteiro pareceu-lhe estar distraído. Era a altura ideal para deixar a encomenda.
Na altura em que se preparava para largar a encomenda numa mesa previamente escolhida da sala de computadores, abeira-se dele o porteiro que, com um ar deveras sisudo, lhe pergunta:
- Isso é algum galinheiro?
- É! Respondeu o Jorge, pousando o pacote e escapulindo-se dali, pensando em voltar apenas no dia seguinte. Por fim, alguma coisa tinha corrido mal e o anonimato pretendido tinha sido comprometido por um porteiro que parecia estar desatento, queixando-se ao Francisco desse sério deslize. Afinal, corria o risco de ser descoberto e sofrer retaliações. De qualquer modo, só teve novidades da peripécia no dia seguinte.
Era quarta-feira de manhã quando o Jorge foi à faculdade como é habitual na rotina de qualquer estudante. Contudo, esse dia estaria longe de ser um dia rotineiro. Toda a gente que passava por ele se ria e o cumprimentava efusivamente, incluindo professores e funcionários. Sentiu no ar, um ambiente deveras hilariante. Finalmente aproxima-se dos seus colegas de turma que partilhavam o mesmo estado de espírito dos demais que o Jorge havia cruzado no átrio e corredores da faculdade. Perguntavam quase em uníssono:
- Foste tu?
Como é óbvio, o Jorge, fazendo um ar de despercebido, returque à pergunta com outra pergunta:
- Fui eu o quê?
Contaram-lhe, então, o caricato episódio que tinha acontecido no dia anterior. Foi aí que o Jorge ficou a saber como se desfechou a partida, negando a sua autoria, para se manter no anonimato. O Rui era outra pessoa. Procurava, a todo o custo, descobrir o detestável autor. Aliás, tratava-se de um sentimento generalizado. Na cantina, os funcionários brincavam com ele:
- Ainda te vão levar preso!
O Jorge mantinha-se firme, afirmando que nada tinha a ver com o assunto. Outros afirmavam que se sentiriam orgulhosos de envidar uma cena tão minuciosamente elaborada. O Carlos propôs-se descobrir o autor. Era um veterano no curso e, porventura, sentia necessidade de esclarecer a situação. Decorria a tarde quando o Carlos afirma:
- Foste tu, Jorge. O porteiro acabou de ter expor.
O seu grande receio do dia anterior acabava de ganhar forma. Foi forçado a admitir tanto a autoria daquela partida como dos e-mails enviados uns tempos antes, explicando as razões que o levaram a tomar tão drásticas atitudes. De facto, foi o Carlos que moderou os comportamentos compulsivos do Rui e do Ruben. O Rui foi apresentar queixa à provedoria e o Ruben concluiu que o incidente não o relacionava, pelo menos directamente. O Rui, com ares de quem tinha os sentimentos feridos, dizia:
- Achei muito desagradável. Aliás, considerei um insulto. Estive toda a manhã a receber mensagens no telemóvel e chamadas telefónicas de pessoas que me conheciam, estando curiosas para saber o que continha tão bela prenda. Acrescentavam que eu devia ter um grande amor. Eu, na minha inocência, imagino que finalmente alguém me ama. Quando chego à faculdade, está um ror de gente, incluindo empregados, de volta da prenda, bradando: «chegou o felizardo!» Quando vou a abrir a prenda, para alem da dificuldade que apresentou, surge uma panela com manuais. Foi uma risota geral. Considerei isso mesmo muito desagradável.
Toda a gente gabava a argúcia do Jorge e, com base nos relatos, foi-lhe possível recriar tão esperado desfecho. O Rui começou a receber, intermitentemente, mensagens e telefonemas ainda não se tinha levantado. Uns mandaram-lhe a mensagem de amor que seguia em anexo na oferenda, outros parabenizavam-no pela sorte que o abraçava. Alguns até chegaram ao ponto de fotografar a prenda que lhe era dirigida. Sem margem para dúvidas, sentia-se no dia mais feliz da vida, como mais tarde o assumiu. Não fazia ideia do que o esperava da parte da tarde nessa estranha terça-feira.
O Rui entra na faculdade, passava meia hora da uma. Aliás, como já era habitual. Aproximou-se da sala onde se encontrava o tão cobiçado embrulho. A sala era pequena e os curiosos eram tantos que enchiam completamente o átrio à espera de ver o que lhe tinha sido oferecido, avisando que acabava de chegar um homem feliz. O Rui pousa a prenda num dos bancos do recinto, desembrulha-a e abre a caixa deixando transparecer um ar de júbilo. Quando, por fim, conseguiu abrir a caixa, o ar de júbilo transforma-se repentinamente num ar de consternação e até de choque. Algumas pessoas que assistiram ao espectáculo ainda se riem só de se lembrarem da sua cara nesse momento. A prenda que outrora havia sido de amor transformara-se numa desilusão em poucos segundos.
Tirou a dádiva da caixa e toda a gente pode constatar tratar-se de uma panela de escape. Tudo desatou à gargalhada, tanto quem tinha lido os e-mails como todos os outros. Uns caiam para o chão e outros seguravam-se às colunas. Para aprimorar ainda mais tamanha euforia, verificaram que a panela trazia manuais com um teor tão ridículo que a risada se prolongou durante muito tempo. Para os que não tinham lido os e-mails, o propósito da prenda era incompreensível mas de tal forma hilariante que não contiveram as fortes gargalhadas. A provedora, que acabou por ter em mãos um caso tão exuberante mas delicado, queixava-se ao Jorge:
- Eu mesma presenciei o evento, um dia depois de assistir a uma palestra sobre o espírito de solidariedade e amizade entre pessoas numa instituição. O átrio estava lindo como eu nunca tinha visto antes, cheio de gente. A mensagem de amor era linda, tão bem elaborada. Quando o Rui abriu o presente, nem quis acreditar no que lá estava. Simplesmente não conseguia entender. Toda a gente se ria mas eu senti-me triste. Até me vieram as lágrimas aos olhos. Os manuais, com aquela linguagem tão baixa, nem pareciam ter sido escritos pela mesma pessoa. Ainda hoje me custa a acreditar que alguém foi capaz de levar a cabo uma coisa daquelas.
A punição aplicada ao Jorge não é nada relevante para ser aqui descrita. O Rui nunca mais foi o mesmo. Um acontecimento destes não se apaga assim da memória das pessoas. Quem presenciou o espectáculo talvez se lembre do sucedido uns bons anos mais tarde e o Rui nunca o esquecerá. O Jorge comprometeu-se a não repetir a proeza.
A amizade é um condimento essencial na convivência de pessoas em grupo. Se esse nobre sentimento não for cultivado, acaba-se sempre com uma panela de escape nas mãos. E foi uma panela de escape que transformou uma prenda de amor numa desilusão.